terça-feira, 28 de junho de 2011

Andar

Andas de modo desorganizado,
com esse coração desgovernado,
com essa escuridão no olhar.
Andas como ninguém deveria andar.

Antes andar era como voar,
com um mundo à volta para apreciar.
Agora andar é em caixas e caixões,
E já ninguém lê Pessoa, nem Camões.

Aos poucos trocas a realidade pelo virtual,
trocas a liberdade por algo banal.
Vais preferindo a mentira à verdade,
e foi nisto que te tornaste, Sociedade.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ainda te espero

Ainda te espero.

Nestas tardes sem cor,
Onde a chuva se mistura
Com as gotas da minha dor
E onde a vida luta
Para ganhar uma mísera existência.

Aqui te espero.

E sempre esperarei,
Até que voltes para me buscar,
Para me levares contigo,
Para esse reino de vida
Que existe depois da morte.
Pois, mesmo que de morte seja esse feito,
A minha vida está lá,
E eu espero, espero que ela volte
Para me resgatar.

Espero a morte.

Para que possa assim,
Como outrora,
Viver.

Escolhas...

Sempre achei lindo o pôr-do-sol. Ver a mistura quente de cores, num céu azul por natureza, faz-me bem, acalma-me e deixa-me pensar com mais clareza. Mas, desta vez não há pôr-do-sol. É claro que eu sabia que iria ser quase impossível ver aquela estrela com um céu tão enublado, quanto mais presenciar a sua despedida diária, mas, mesmo assim, fui até à praia.
A praia estava como o tempo, triste e cinzenta, e eu fui apenas mais um objecto que se veio juntar a este quadro, talvez por ter os requisitos necessários, a verdade é que até agradeço a S. Pedro colocar um tempo assim, é mais fácil estar sozinho ali. Num dia normal de Agosto a praia estaria completamente apinhada de gente. Mas ali estava eu. A meio de Agosto. No meio da praia. E nada me parecia normal...
Fui-me aproximando do mar como se este chama-se silenciosamente por mim. Apesar do forte vento que se fazia sentir, o mar não estava muito agitado. Realmente nada ali parecia normal. Olhei com mais atenção toda aquela imensidão. O que eu não daria para ter ali a minha prancha de surf, a minha velhinha prancha, feita à mão pelo meu avô. Sem dúvida alguma que passei grandes momentos com ela, enfrentei ondas épicas, horrivelmente gigantes para um simples humano como eu, parecia que nada poderia acabar com aquela força que irradiava de nós os dois, carne e madeira. Mas a força do mar é superior à força física, sim, porque só mesmo nessa força o mar me consegue superar, e com toda a sua fúria demoníaca partiu a minha prancha ao meio.
Senti uma vontade louca de ir à água. Nadar ia fazer-me bem, e com sorte ainda ficava doente e depois iria ter de passar os meus últimos dias de férias fechado no meu quarto, longe de tudo e todos. Longe da dor do mundo exterior, mas perto da dor da minha consciência. Não queria pensar mais nisso, não agora, e talvez nunca mais. Era tão bom se às vezes tivéssemos um botão de "reset" nas nossas vidas, tal como aqueles que existem nos jogos. Aí tudo é tão fácil. Podemos errar as vezes que quisermos, tentar chegar a um objectivo de todas as maneiras possíveis e imaginárias, e, se não gostarmos do caminho tomado, basta começar de novo, ou compramos outro jogo. Mas na vida real nada é assim. Não podemos simplesmente voltar atrás nos nossos erros como se nada tivesse acontecido, nem muito menos comprar uma vida nova. É verdade que temos imensas formas de cumprir os nossos objectivos, mas só podemos escolher um caminho, e depois de seguido não há volta a dar.
Enquanto me detinha na dúvida de ir ou não ao mar, cai uma gota de água no meu nariz. E logo outra na minha cabeça. E outra... E muitas mais... E ali estava eu, sozinho, desprovido de guarda-chuva, de qualquer tipo de protecção ou protector, e completamente petrificado de olhos postos no mar. De repente, outras gotas se juntaram à chuva, as que corriam dos meus olhos. Não aguentava mais estar ali, foi ali que tudo começou, o meu paraíso e inferno. Existe momentos na vida em que temos de fazer escolhas importantes, mas, eu não conseguia aceitar as que tinha feito...